sexta-feira, 27 de setembro de 2013

DEVANEIOS - DE CAPUNGA (2)

Sodade voadora - Meu Tio Artur
Novo Templo Da Igreja Da Capunga (pós 1950)
Pr. José Munguba e Pr, Lívio Lindoso

    Meu Tio Artur, na verdade, tio de papai , e pai que o criou.  Miudinho, franzininho, branquinho de barba e bigodes fartos, sempre de terno também branco, isto é, calça, palitó e colete, e relógio de corrente pregada na botoeira..  Tinha uma filha chamada Débora, da minha idade e de olhos tão grandes que pareciam de uma ave noturna.  Eu tinha meus tesouros, uma caixa de madeira mal ajambrada, mais parecendo uma gaveta liberta do seu enclave.  Lá dentro, recortes de papeis, uma tesoura enferrujada e um pedaço de sabonete LifeBuoy usado e de cheiro fortíssimo, muito comum nos termos de 1943, dizem que para sarna e doenças de meninos mal lavados.  Muito vermelho.  Quanto vale meu tesouro?  Não é da sua conta e a d. Débora não tinha nada de estar mexendo nas minhas coisas. Eita meninos;  nos seus projetos de serem donos.  Tio Artur, que alguma chegada falou ser Artur Cristo, repudio isso veementemente;  sempre se chamou Artur Franklin Cavalcante Lindoso.  Ele era muito viril, casou -se algumas vezes, mas nunca conheci suas mulheres nem seus filhos, se os teve.  Na minha família há o hábito dos mistérios divinos e segredos não falados, com  passados no escuro do silêncio.  Esse Tio gostava muito de mim e deu-me de presente um chapeuzinho de palha, de qual nunca larguei.  Era ele colpotor, viajante vendedor de livros sagrados, inclusive Bíblias.  Um dia, no seu "D", voltou de viagem e desabou numa cama-de-lona, também chamada de cama-de-ventoç não urinava nunca. Quem já passou por essa experiência sabe a compulsão da aflição que a acompanha,  Desses parentes que todos têm não vi  nem a Débora.  Conversa de mulheres, sabedoria popular, falou-se que chá de perna de grilo resolveria o problema.  Alvoroço no Casarão; mulheres e crianças arrastando baus e trempes espremidas contra as paredes, de preferência nos lugares mais úmidos, todos com toalha e panos para envolver qualquer atrevido grilo, falante ou não.  Achou-se, enchazou-se e aplicou-se.  Milagres do povo acontecem.  Que alívio.  Tio Artur urinou por tempo imenso, não se sabe o quanto e de onde que vinham.  Ao fim, o fim, com o fim o descanso.  Seu relógio de algibeira trepado na curva da escada que levava para o andar superior  parou no momento exato do desprendimento daquela Alma, branca como tudo que era dele.  Essas coisas que crente nenhum admite, naquela casa aconteceram.  No caixão negro a inscrição em prata: Artur Franklin Cavalcante Lindoso.  Destino:  Cemitério de Santo Amaro.

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